15 agosto 2004
O problema da criação
Ao longo destes anos nas minhas aulas de astronomia tenho sido confrontado com a velha questão de Deus. É uma questão natural para quem mexe com a origem da Terra, do Universo ou da vida. Respondo sempre com sinceridade às pessoas dizendo que ninguém sabe se o Universo foi criado ou não? Podia já existir um antes deste. Podemos ser apenas um entre uma infinidade de outros possíveis (teorias dos multiuniversos). Podemos resultar da colisão de duas branas (teoria ecpirótica, nomeada a partir do grego ekpyrosis, “fogo desastroso”) que diz que tudo surgiu do choque de duas “membranas cósmicas” as tais branas e que isso já aconteceu vezes sem conta no passado e voltará acontecer no futuro. Portanto, quem diz que o Universo teve um criador está obviamente a exagerar ou a iludir-se a si próprio, pois o Universo nestas teorias não precisa de criador para nada. Por outro lado, há sempre o problema do criador. Donde veio ele? Como surgiu? O que andava a fazer antes?

Mas se ninguém sabe como surgiu este Universo em que vivemos dar Deus como resposta é apenas uma forma confortável de dar resposta para uma coisa que não tem resposta. É como olharmos para uma pedra na rua e dizermos que foi Deus que a criou, só porque não sabemos como ela nasceu. Deus não é mais que uma resposta para tudo o que não tem resposta. Quando não sabíamos como é que as pedras tinham sido geradas dizíamos que era Deus, quando não sabíamos como é que o homem tinha aparecido na Terra a mesma coisa e por aí fora. Agora que sabemos já não dizemos o mesmo, já não é o Adão e a Eva, mas continuamos a pôr Deus nos últimos mistérios. E porquê? Porque na verdade nós nunca gostamos do mistério. Incomoda-nos e por isso arranjamos sempre respostas para tudo. E não há resposta mais fácil que Deus.
 
posted by Jose Matos at 17:05 | Permalink |


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