É triste continuarmos a ver atrasos nos pagamentos dos nossos compromissos com organizações internacionais. O caso do CERN já começa a cansar. Com a devida vénia aqui fica a notícia escrita pela Teresa Firmino que saiu hoje no Público.
Portugal Pode Perder a Face no Maior Laboratório de Física de Partículas
Por TERESA FIRMINO
Portugal não está a cumprir os acordos financeiros com o Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), na Suíça. Não paga as quotas anuais, como devia fazer por ser um dos 20 países-membros. Não paga às equipas portuguesas para construírem componentes de duas experiências do futuro acelerador de partículas da Europa - o Large Hadron Collider (LHC), o mais potente do mundo, que deverá funcionar em 2007. E não paga as verbas dos projectos de investigação ligados ao CERN, através de concursos abertos em Portugal pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Nos 18 anos de adesão, nunca se viveu uma situação assim, diz a física Paula Bordalo, nas vésperas do CERN cumprir 50 anos de vida.
Os incumprimentos podem ter várias consequências, alerta a professora do Instituto Superior Técnico (IST) e investigadora do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), em Lisboa. Para já, Portugal vai ter de pagar juros pelas quotas em atraso de 2003. Caso não sejam pagas também as quotas de 2004 até ao fim do ano, o país perderá o direito de voto no Conselho do CERN, o órgão de decisão máxima. É o que acontece quando se falha o pagamento por dois anos.
A humilhação nem será o pior. "O não pagamento das quotas traduz-se numa consequência mais grave: a impossibilidade das indústrias portuguesas participarem em concursos do CERN para projectos de construção e manutenção das suas infra-estruturas. Nestes concursos, Portugal tem obtido um grande retorno do investimento", diz a investigadora. "Tirando a parte humilhante, há a parte económica, que devia alertar o Governo."
A adesão de Portugal ao CERN, em 1986, permitiu às empresas concorrer em vários domínios. "Para a construção do futuro acelerador LHC, Portugal tem tido um retorno económico muito positivo. Várias empresas têm sido contratadas, nas áreas da engenharia mecânica e metalúrgica, novas técnicas de soldadura ou informática."
No acordo de adesão, Portugal teve condições vantajosas. Em vez de pagar a quota integral, em 1986 só pagou dez por cento e investiu o restante em Portugal; em 1987 só pagou 20 por cento e investiu 80 por cento e assim por diante, até 1995, em que já pagou a totalidade. Comprometeu-se a gastar o dinheiro das quotas em infra-estruturas, na formação de recursos humanos e no apoio à participação em projectos de investigação e desenvolvimento.
Assim, criou-se o Fundo CERN, para abrir todos os anos um concurso para projectos de investigação, explica Paula Bordalo, coordenadora do grupo português em duas experiências, a Compass e a NA50. Com essas verbas, as equipas pagam as despesas de participação nas experiências, como deslocações para recolher dados e fazer testes no CERN, ou para reuniões com todos os participantes. "As reuniões são fundamentais. Temos de ouvir o trabalho dos outros grupos e os outros têm de ouvir o nosso, senão somos postos de parte." Estas verbas contribuem ainda para um fundo comum de cada experiência, do qual se compra de material.
"Este ano não pingou um tostão"
"Todas estas verbas estão a faltar. sem dinheiro, não podemos assumir compromissos." Há dias, Paula Bordalo recebeu um E-mail do responsável geral da Compass a perguntar quando pagava a contribuição de 2004 para o fundo comum da experiência. "Para um estrangeiro, é inconcebível que, no último quadrimestre do ano, ainda estejamos à espera de receber as verbas dos orçamentos desse ano e cuja atribuição foi oficializada."
De facto, em Setembro ou Outubro, abre o concurso Fundo CERN relativo ao ano seguinte. Avaliados os projectos, por peritos internacionais, e divulgados os resultados pela FCT, as equipas costumam assinar os contratos em Janeiro e, aí, recebiam metade das verbas. Entre Junho e Outubro, recebiam mais 40 por cento e, após o fecho das contas, recebiam, entre Janeiro e Março do ano seguinte, os restantes dez por cento.
Os problemas começaram em 2002: nenhuma equipa recebeu os últimos dez por cento, denuncia Paula Bordalo. "A FCT não cumpriu o compromisso e não sabemos quando pagará o que falta." Para o concurso de 2003, só em Março ou Abril desse ano a FCT divulgou a avaliação: "E apresentou o contrato com a limitação de não poder ser retroactivo a Janeiro, contrariamente ao que o edital de Setembro anunciava", diz.
"A investigação não se pode fazer em 'part-time'. Não pode parar três a quatro meses, em que se deve continuar a colaborar com os colegas estrangeiros e continuar com os recursos humanos (estudantes de doutoramento ou pós-doutoramento). Tivemos de suportar um buraco orçamental de três ou quatro meses." Só uma parte das equipas recebeu a segunda prestação de 2003. "Tudo indica, por haver pagamentos em atraso, que não será tão depressa que receberemos a última prestação."
O concurso de 2004 não correu melhor. "O painel de avaliação só reuniu em Março!" Desde Junho, quando se divulgaram os resultados, com cortes de 30 por cento face a 2003, que as equipas esperam receber o contrato final. "Este ano não pingou um tostão. A situação está a tornar-se insustentável. É impossível dar continuidade aos projectos."
Jovens portugueses, a analisar dados das experiências para as teses de doutoramento, não puderam apresentar os resultados em conferências internacionais. "O trabalho que desenvolveram foi apresentado por outros. É uma pena", diz Paula Bordalo, perguntando para que serve gastar dinheiro no CERN se depois os cientistas não podem exercer as suas actividades normais.
O mesmo lamenta o físico João Seixas, do IST e coordenador do grupo português na experiência NA60. "A situação está a tornar-se crítica. Se o financiamento não chegar até ao fim do ano, haverá impossibilidade efectiva de continuar a trabalhar. O que é lamentável, ao fim de três anos de trabalho intensivo", alerta.
"Politicamente, a ministra da Ciência tem de dar uma solução. O ministério anda sempre a dizer que tem mais dinheiro para a ciência, para os bolseiros. Não vejo aonde", critica Paula Bordalo.
P.S. É claro que o governo diz que vai pagar tudo.
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