26 março 2005
Descobertas extra-solares II
Quem anda nos meandros da divulgação sabe como é que as coisas funcionam. Todas as missões espaciais têm o seu gabinete de comunicação. Com mais ou menos pessoas, mas existem para divulgar junto dos media as descobertas que vão sendo feitas. As pessoas que lá trabalham são profissionais da comunicação. Sabem como funcionam os jornais e a televisão. Sabem como vender o produto. E sabem que há descobertas que vendem mais do que outras. A descoberta no infravermelho da radiação de dois planetas extra-solares é uma delas. É uma descoberta importante e um marco no estudo de planetas extra-solares, mas foi se calhar mal interpretada por muita gente devido a erros na imprensa.

Todos nós sabemos que não é fácil discernir um planeta extra-solar do imenso clarão que a sua estrela produz. No visível ainda ninguém conseguiu tal feito, mas as hipóteses no infravermelho são maiores, pois a relação de contraste entre a estrela e o planeta aumenta no infravermelho. Mas a ideia dos especialistas não era obter uma fotografia no infravermelho. Não era mostrar um pontinho à beira de uma estrela e dizer aqui está a primeira fotografia de um planeta extra-solar. O que eles queriam era observar o trânsito de um planeta extra-solar e através de toda a radiação recebida conseguir inferir a diferença entre a radiação proveniente do planeta e da própria estrela. A ideia é que a radiação infravermelha será ligeiramente maior quando o planeta está a passar à frente da estrela, pois corresponde à soma da radiação do planeta mais a da estrela, do que quando o planeta está a passar por trás da mesma. E se olharmos para o momento em que ele está a passar por trás da estrela e extrairmos essa passagem à radiação total recebida no nosso detector quando ele estava a passar pela frente, podemos medir qual é a quantidade de radiação correspondente ao planeta. Mas distinguir esta diferença é um trabalho complicado, pois estamos a falar de uma diferença ínfima, como é fácil de imaginar.

No entanto, estudos teóricos apontavam que essa detecção pelo Telescópio Espacial Spitzer era possível. E foi isso que foi feito. Existem poucos planetas extra-solares conhecidos que façam trânsitos em frente às suas estrelas. Mas dos poucos conhecidos foram escolhidos dois. Foram escolhidos de forma independente por duas equipas que não sabiam uma da outra. Este tipo de investigações é mesmo assim. O pessoal cala-se bem caladinho e vai fazendo o seu trabalho para ter o mérito da descoberta. Mas tanto uns como outros conseguiram os seus objectivos. Detectaram o sinal infravermelho do planeta. Com esta informação em mãos conseguiram calcular as temperaturas efectivas dos dois planetas e a excentricidade orbital de cada um. Além disso, mostraram que este tipo de detecção é possível e que abre um campo de estudos muito interessante no futuro.

Ora o departamento de comunicação do Spitzer pegou na descoberta e tratou de divulgá-la cá para fora dando ênfase à descoberta pela primeira vez da luz de planetas extra-solares. Este destaque não era inocente. O pessoal da comunicação sabia que era assim que a descoberta devia ser vendida aos jornais e à televisão. E como se pode ver tinham a sua razão. A notícia correu mundo. Mas a palavra luz é traiçoeira, pois pelo senso comum associamos luz à radiação visível, quando o infravermelho também é luz. E isto pode ter consequências na má interpretação da notícia.

E, de facto, nos jornais e na TV a coisa nem sempre é bem digerida. Alguns (por cá) chegaram mesmo a noticiar que foi “detectada uma luz fora do sistema solar”. É claro que quem escreveu isto, não tem a mínima noção do que é uma estrela senão não dizia uma tolice destas. Mas mal ou bem deram destaque à notícia. A estratégia de comunicação resultou e os responsáveis pelo Spitzer mostraram mais uma vez aos contribuintes americanos que o telescópio vale o dinheiro que custou. É assim que as coisas funcionam na América. Os contribuintes têm que sentir que também participam na exploração do Cosmos. Que aquele sucesso também é deles. Que o país precisa destas coisas para afirmar a sua grandeza.

Mas quem estava à espera de ver uma fotografia dos ditos planetas ficou desiludido. Afinal não há fotografia! Há uns tipos que dizem que apanharam a luz dos planetas, mas não há fotografia? Como é que pode ser uma coisa destas? Mas agora talvez percebam melhor que o que eles apanharam foi apenas o sinal infravermelho desses planetas ou melhor dizendo conseguiram do meio do fluxo estelar extrair o sinal dos planetas. Portanto, não há fotografia nenhuma nem podia haver neste tipo de detecção. É claro que a descoberta é importante na mesma, mas ainda está para chegar o dia em que vamos ver a fotografia de um planeta extra-solar. Mas um dia havemos de lá chegar, pois há quem já esteja a trabalhar no assunto. No segredo dos telescópios e dos gabinetes acontecem coisas todos os dias. É preciso é paciência e esperar pelas novidades.

P.S. A ler o artigo na Sky and Telescope sobre o mesmo assunto.
 
posted by Jose Matos at 19:04 | Permalink |


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