De início era apenas uma paixão. Uma coisa de infância. Um vício. Uma coisa sem futuro. Como qualquer amador não pretendia ganhar a vida através da astronomia. Nem sabia como fazê-lo. Num país de poucos astrónomos, de poucos observatórios, de pouca ciência, que futuro poderia eu ter? Todas as portas se fechavam perante mim. E um dia fui trabalhar para um emprego como outro qualquer. Contrariado é certo, mas lá fui fazer de conta que tinha um trabalho, que tinha um ordenado, que fazia alguma coisa na vida. Foi então que alguém se lembrou de introduzir a astronomia na escola. Num país de poucos astrónomos foi uma ideia luminosa. Ensinar aos meninos o céu, os planetas, as estrelas, as galáxias, o Universo era uma boa ideia. E foi nesse dia que uma pequena porta se abriu para mim. A medida demorou algum tempo a ser implantada, mas há 10 anos atrás a astronomia entrou em força nas escolas. A linguagem dos astros, aquela que eu nunca tinha aprendido nos meus tempos de escola, chegava aos mais novos. Muitos professores ficaram à deriva. Nunca tinham dado tal coisa na vida deles. Muitos aprenderam à sua custa, mas alguns felizardos tiveram a sorte (ou azar) de me encontrar. De ir aos meus cursos, de me incentivar para ir às escolas. E foi assim que tudo começou com a ajuda de todos os professores que ao longo dos anos me convidaram amavelmente para ir às escolas levar a astronomia aos mais pequenos. Devo-lhes muito, pois sem eles não tinha trabalho e já tinha desistido desta cruzada. Mas também devo muito a quem promoveu os meus cursos, a quem se inscreveu neles, a quem andou por lá a ouvir-me. Perdi o número das pessoas que conheci nestes 10 anos de actividade. Sei que cursos foram à volta de 50, mas quanto a escolas já perdi a conta. Há pessoas que já não conheço, outras de que ainda me lembro, outras que ficaram minhas amigas, outras que acompanham o meu gosto pela astronomia. Hoje já não me sinto só como noutros tempos. E o entusiasmo que noto à minha volta dá-me força para continuar. Ás vezes, ainda penso se não poderia fazer outra coisa qualquer, mais certinha, com um ordenado ao final do mês, mas já não consigo imaginar outro trabalho senão este. E mesmo quando o dinheiro que ganho mal chega para pagar as dívidas continuo com esta ambição tola de explicar astronomia. Não sei se ainda cá estarei daqui a 10 anos para somar outra década. Mas espero continuar nisto até um dia cair para o lado, até não poder mais, até a voz me faltar. Talvez insista mais 10 ou 20 ou 30 anos nesta tolice. E um dia, quem sabe, talvez me façam alguma homenagem. Talvez me digam que valeu a pena eu ser tolo. Talvez me recolham da rua onde estarei perdido e sem dinheiro. Ou talvez me encontrem por aí a vender outra coisa para pagar as dívidas. E talvez me digam que um dia me ouviram falar de astronomia e que gostaram e que nunca mais se esqueceram. E talvez por isso me reconheçam e me acolham e me peçam para falar mais um pouco.
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