Evitei falar da Huygens nos últimos dias. No meio desta torrente de informação o que podia eu dizer? Muita coisa concerteza, mas comentar a quente é sempre complicado e perigoso. Mas mesmo parco em palavras gostaria de dizer alguma coisa.
Em primeiro que no dia D, a ESA divulgou as imagens a conta-gotas. Depois as pessoas que as deviam comentar passaram o tempo a elogiar-se mutuamente. Um sinal de quem não está habituado a estas operações de relações públicas. Ainda por cima, os amadores destas coisas foram mais rápidos que a própria ESA a fazer composições de imagens. Um trabalho magnífico para quem não tem os meios da ESA. Mas deixando esta inabilidade de lado, o meu primeiro elogio vai para a Huygens que esteve pelo menos 3 horas a trabalhar na superfície de Titã, quando as expectativas apontavam para 3 minutos. Nada mau, diria mesmo muito bom. Só é pena que das 700 fotos previstas, metade se tenha perdido pelo caminho devido a uma falha de comunicação entre a pequena sonda e a Cassini. Parece que um comando errado fez com que a Cassini não ouvisse um dos dois canais de transmissão da Huygens.
Mas olhando para as fotografias disponíveis, vê-se uma superfície coberta de canais de drenagem, caynons e regatos que parecem dar para um oceano de metano. Esta parte do oceano já é especulação, mas soa bem ao ouvido. Assim como outras interpretações que ouvimos nos últimos dias. Muitas não resistirão ao tempo e a uma análise mais cuidada dos dados. O observador menos atento talvez ache que não, talvez ache que tudo o que se diz está certo. Mas não. Diz-se muita tolice nestas coisas. E fait-divers é o que não falta nestes momentos. Como chamar planeta a Titã. Ouvi eu da boca de um estudante de doutoramento que comentava as primeiras fotos na sexta-feira passada. Se fosse um jornalista ainda entendia que confudisse uma lua com um planeta. Agora um estudante de doutoramento!
Mas no meio de tanta poeira há também dados seguros e medidas realizadas, que apontam para uma superfície macia, fazendo os responsáveis da missão uma comparação com um creme queimado (leite creme queimado, porque não?) em que debaixo da crosta reside um material mais mole e macio. Também há blocos de gelos e sabemos a temperatura (93.8 K)
Titã é um mundo complexo. Custa-me percebê-lo e tenho mesmo uma dificuldade terrível em assimilar toda aquela informação, aquela química na atmosfera, aquela salada de moléculas orgânicas, aquela superfície de leite-creme. Tenho que esperar que a poeira assente para perceber alguma coisa. Entretanto, dou umas sugestões de leitura. Para os jornalistas que entendam escrever a fundo sobre o assunto (como se isso fosse possível nos nossos jornais), para os professores que entendam ensinar isto aos meninos (tanta coisa que se podia ensinar nas nossas escolas).
Comecem por coisas simples como o 7º capítulo do Ponto Azul-Claro, do Carl Sagan (Gradiva).
Depois o 10º capítulo de A Evolução e a Origem da Vida, editado pelo Hernâni Maia e J. Moura Ramos (Almedina).
Depois o 20º capítulo do New Solar System, 4ª edição (Sky Publishing)
E finalmente o Lifting Titan's Veil : Exploring the Giant Moon of Saturn, do Ralph Lorenz e Jacqueline Mitton (Cambridge University Press).
E mesmo para acabar o
Passage to a Ringed World, da Nasa.
Talvez consigam perceber alguma coisa desta lua laranja. Talvez consigam ensinar alguma coisa sobre isto. Porque eu, ainda estou a aprender. Ainda não percebi bem, o que me entra pelos olhos.